A Trégua - Uruguai 🇺🇾
- iamfromsouthamerica
- 28 de abr. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 3 de nov. de 2023

A Trégua, de Mario Benedetti, mostra o diário de Martín Santomé, um homem de Montevideo prestes a completar 50 anos e dar entrada em sua aposentadoria.

Durante um ano em seu diário, nós vemos todo o desenrolar de sua vida sem graça e suas divagações sobre o outro lado: "Quem me dera ficar na cama até tarde, pelo menos até as nove ou as dez, mas às seis e meia acordo sozinho e já não consigo pregar o olho. Às vezes penso o que farei quando toda a minha vida for domingo."
Até que, com a chegada de novos funcionários no escritório, ele conhece Laura Avellaneda, 25 anos, e aos poucos começa a se apaixonar por ela. E os pensamentos sobre a aposentadoria ficam em segundo plano, e o amor e o medo da diferença de idade tomam lugar.
Esta não é uma história de amor. Pelo menos não como se espera em uma comédia romântica ou um enemies to lovers.
Primeiras Impressões
Por ser um diário, tudo e todos ganham as cores que Santomé dá: desde de sua primeira mulher e seus filhos aos colegas de trabalho e o garçom do bar. Confesso que a quantidade de preconceito e arrogância de Martin Santomé me deu momentos de raiva que não me deixaram ver a crítica por trás da personagem. É tanto machismo que eu precisei de um tempinho a mais para refletir sobre o livro.
Esse livro traz muito a sensação de deixar a vida passar, e como é fácil cair na monotonia e sufocar a vida. Há uma cena no escritório sobre o bilhete da loteria que acho que traduz bem essa sensação. Se você ganhasse na loteria, continuaria fazendo o que faz?
O que você faria com o seu tempo quando não precisasse mais trabalhar? Seja por aposentadoria ou sendo milionário?

SPOILER ALERT
Santomé é um viúvo que não espera mais nada da vida além da aposentadoria. Sente que deixou a vida passar. Mas com um ar blasé arrogante e de enfado, ele trata as pessoas com indiferença. Impõe uma distancia a todos. Incluindo os seus filhos.
Após a morte de Isabel, ele se contenta com encontros únicos com mulheres para não se envolver. E mesmo com Avellaneda, com todo o amor e conexão que ele tem com ela, a distância está lá quando ele continua a chamando a somente pelo sobrenome, como uma barreira para a intimidade.
No entanto, ele é um personagem mais denso: ao mesmo tempo que ele afasta, ele demonstra que também quer tais relações. Isso fica nítido em como ele se chateia por não ter uma comunicação aberta com os filhos ou quando fica na expectativa do amor de Laura. Ele escreve coisas horríveis sobre o seu filho ao descobrir a sexualidade de Jaime, mas também espera que ele volte para conversarem. E sua felicidade ao ver que sua filha Blanca e Laura se tornam amigas também demostra o quanto ele deseja uma proximidade maior.
A história de amor dele com Avellaneda é muito tóxica. Os pensamentos e ações dele com ela, e em relação a todas as mulheres no livro, é de dar raiva. Em uma cena no ônibus, ele descreve todo um assédio como se fosse parte do jogo da conquista de uma mulher.
Sem deixar de mencionar que ele era chefe de Laura. E em muitas partes não fica claro se ela realmente quer esta relação ou foi coagida a aceitar. Tomava decisões sem consultá-la, decidindo no lugar dela, desdenhava de suas ideias, ou sua capacidade no trabalho. Essa trégua da vida, esse amor por Avellaneda, me parece mais como se ela fosse a chance de se sentir vivo novamente. Uma segunda chance da vida.
Este livro teve um enorme sucesso e foi adaptado para o cinema, tv e até balé no Uruguai. Em 1974, o livro foi adaptado para um filme homônimo que foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Além dele, há outra produção mexicana de 2003 com o mesmo nome.
Nota: Eu assisti o filme de 1974, e Martín é bem mais "agradável" do que no livro.
A escrita de Mario Benedetti é envolvente e cria mais nuances quanto mais reflito sobre o texto. É um livro que te leva para Montevidéu, com as descrições dos locais e leituras da sociedade feitas pelo protagonista. Imerso na atmosfera Rioplatense, é um livro que te leva a pensar sobre o que queremos da vida e o que fazemos da vida no dia-a-dia.
No final, foi uma ótima leitura que rendeu muitos insights e com certeza irei reler mais para frente.

Sobre o Escritor
Com mais de 80 livros publicados, o escritor e poeta uruguaio é um dos mais importantes do Uruguai e da América Latina. Tradutor e jornalista, Mario Benedetti (1920-2009) era militante político e foi exilado por mais de 10 anos. Seus textos mostram de forma sutil os pequenos fatos da vida cotidiana da classe média Uruguaia, principalmente de Montevidéu.
Outros Livros: Quem de Nós (1953), Primavera num Espelho Partido (1982), A borra de café (1992), Pedro e o Capitão(1979), Correio do Tempo (1999), O amor, as mulheres e a vida (1995)
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