Cem Anos de Solidão - Colombia🇨🇴

Não haveria melhor livro para começar. É um livro excelente e horrível. Uma escrita envolvente, mas cheia de gatilhos.

Eu poderia passar a vida tirando vários assuntos de Cem Anos de Solidão. É um microcosmo da condição humana demostrado em um texto sedutor.

O livro percorre cem anos da família Buendía, começando com o casal José Arcádio e Úrsula, primos que se casam, e a fundação e evolução de Macondo neste período.

Quando li que Macondo poderia ser em qualquer lugar da América Latina, acertaram em cheio. É Brasil sem o sê-lo. Onde o povo luta entre “liberal” e “conservador”, sem saber ao certo pelo que luta. Onde a população é esquecida, apagada, e sobrevive pela cegueira quase ingênua do empobrecimento e a ganância local e estrangeira.

É realmente a contradição existente em nós latinos. Conservadores e progressistas, sensuais e extremamente religiosos. De hipocrisia florescendo nas frestas do meio fio.

Da liberdade masculina ao cuidado excessivo da moral feminina. Da matriarca que é o ponto de conexão, união. Da realidade cruel, mesmo escondida debaixo da fantasia.

O tempo e a história são cíclicos. Os nomes, sentimentos humanos e íntimos também. Somos todos sós na hora de nossos aflições e na hora da morte, mesmo no meio de uma família imensa. E totalmente suscetíveis ao apagamento pelo tempo e a história.

SPOILER ALERT

Ler este livro em 2023, com todas as discussões que temos no Brasil e no mundo hoje, é de quebrar o coração, mas o tom provocativo é parte do texto.

Incesto é o principal tema e um tabu, parte da solidão e tormento. Do primeiro casal, que são primos até o último momento. Mas o que mais me angustia são as crianças. Onde as crianças deveriam ser protegidas são envolvidas e afetadas pelos sentimentos reprimidos dos adultos. Como foi difícil ver um homem por volta de 20 a 30 anos ter uma obsessão por uma criança de 9 anos! Remédios foi forçada a amadurecer rápido, para se casar rápido e no final morrer rápido, como era de se esperar quando uma criança engravida de gêmeos. O remorso de Amaranta e sua castidade escolhida também trazendo estragos. Morre virgem, mas ao invés de cuidar das crianças, joga todas as suas frustrações sexuais nelas. Enquanto homens, adultos, batem em sua porta por seu amor. Isso me dói porque a maioria dos assédios infantis são dentro de casa. Fica muito evidente, como o universo masculino e feminino é desigual. Aos homens, aventuras, grandes ideias, guerras. Os pais vão junto ao filho pedir a mão de uma criança. Mas quando as filhas amam, são trancadas em lutos, conventos e enclausuradas.

As estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.

Úrsula, apesar de suas contradições de matriarca, é a única que viaja por entre os dois perfis masculino e feminino e traz a estabilidade. Quando ela desmorona, tudo começa a desmoronar.

Além disso, referências as pessoas negras, pelo menos na versão em português, também irritam em um racismo velado. Personagens como Petra Cotes que é meio relegada a segundo plano, mas é tão crucial na trama. Num morde assopra, uma das imagens mais bonitas vem de um homem negro, Mauricio Babilônia e suas borboletas amarelas.

Acho que é isso que faz o realismo fantástico tão famoso, a realidade crua enfeitada pela magia.

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Sobre o Autor:

Prêmio Nobel de Literatura, o colombiano Gabriel García Marquez foi jornalista e um dos grandes escritores do século XX. Conhecido também como Gabo, sua obra foi traduzida para mais de 36 idiomas. Seus livros alcançaram repercussão mundial nos décadas de 1960 e 1970 e refletiam a América Latina e a condição humana em geral, com tema especial sobre a solidão.

Outros livros: O amor em Tempos de Cóleras (1985), Relato de um Naufrago (1955), Crónicas de uma morte anunciada (1981), Do amor e outros demônios (1995), Memórias de Minhas Putas Tristes (2004)