Lituma nos Andes - Peru 🇵🇪

Lituma nos Andes é um romance policial situado nos Andes peruanos nos anos 80/90 escrito pelo Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. A história central é uma investigação de desaparecimentos na cidade fictícia de Naccos, situada nos Andes peruanos, onde havia crescente violência nas montanhas. Uma trama cheia de mistérios e tensões.

O cabo Lituma e seu adjunto Tomas foram transferidos a um pequeno posto em Naccos, devido a construção de uma estrada e vivem com a tensão de serem atacados pelos guerrilheiros do Sendero Luminoso. Além disso, eles tem que lidar com a investigação do desaparecimento de três pessoas, a desconfiança dos trabalhadores das obras e as histórias da mitologia dos povos das serras. Para passar o tempo, no clima imprevisível dos Andes, eles conversam sobre as lembranças do amor de Carreño, como Tomás é chamado também.

Impressões

Este livro foi um soco no meu estômago fragilizado neste mês de março. Mas desde que comecei a lê-lo, tive a impressão de ser escrito para ser um filme, com histórias paralelas e passagens temporais tão fluidas que podem confundir um pouco em alguns momentos se não ficar atento. Você fica presa no livro até o final para entender o que aconteceu.

Há bastante violência, seja dos "terrucos", como os guerrilheiros eram chamados, ou relacionado as crenças e culturas dos "serrucos", os povos daquela região, onde algumas crenças com oferendas e sacrifício se mantiveram presentes. Também há bastante preconceito de Lituma em diferentes níveis, sendo ele o único que veio da área litorânea do Peru.

A sensação de tensão, medo e da dificuldade em se viver no Peru nesta época parece paupável em todo texto. Nem a história de amor de Carreñito escapa um pouco disto.

Nota 1: Para quem não conhece o Sendero Luminoso (eu também não sabia muito sobre eles) foram um grupo guerrilheiro derivado do Partido Comunista do Peru (PCP). Eram quase messiânicos quanto ao seu criador, conhecido pelo codinome Presidente Gonzalo. 

Ficou famoso pelo seu lema Sendero Luminoso (Caminho Iluminado) e pela violência sem controle que impôs ao Peru. O próprio Partido Comunista da época e outros partidos de esquerda repudiam até hoje o grupo por seguir uma vertente mais radical, mas ainda há vertentes maoistas que idealizem a luta dele e alguns apoiadores.

O grupo enfraqueceu em 1992 com a prisão dos líderes. Ainda houveram dissidências do grupo que agora lutavam pela anistia dos líderes presos.


Nota 2: O personagem Lituma esta presente em um outro livro do autor, Quem matou Palomino Molero? (1986), também um romance policial.

SPOILER ALERT

Por suas posições políticas, não me admira que Mario Vargas Llosa escreva sobre este tema. Apesar de que o escritor peruano vira um incógnita se olharmos pela lente simplista do direita e esquerda presente hoje no Brasil. No entanto, devo admitir que além de uma ótima pesquisa de casos reais, ele mostrou diversos aspectos, de ambos os lados. Sendo menos parcial do que eu esperava, mostrando também a corrupção da polícia, descaso do governo com a população, interesse estrangeiro no local e as condições dos povos que vivem nas montanhas.

Também fica claro que a maioria dos indígenas do local faziam suas oferendas de forma mais pacífica, quando Dona Adriana debocha das oferendas deles diversas vezes. Mas fica no ar se a estória era para reafirmar que a crueza da vida nessas áreas vinha de tempos imemoriáveis, ou se tem um tom de demonização proposital.

A história de amor de Tomás e Mercedes, cujas histórias animam a noite de Lituma, é bem ok. E como termina, pelo perfil que se cria de Mercedes o tempo todo, não faz sentido. Algumas descrições dela me lembram muito a personagem de "As travessuras de uma menina má", outro livro do autor. O livro é contagiante, mas as partes de violência me fizeram parar várias vezes. E o que dá mais aflição é quando a violência é brutal mas tão cotidiana. A sensação de impotência, tensão, impunidade e medo (que levam as pessoas não a acreditarem em pishtacos e apus, mas tomarem decisões extremadas) foi difícil de lidar, principalmente quando se está sensível.

A versão que li foi da Companhia das Letras de 1995, e mantém vários termos locais com notas de rodapés explicativas. Foi muito útil e enriqueceu bastante a ambientação e o conhecimento sobre a cultura local.

Se quiser conhecer um pouco da história do Peru, conhecer o clima dos Andes e ler uma boa estória de mistério dark, este é o livro.

---

Sobre o Autor:

Escritor premiado, jornalista e político peruano, Mario Vargas Llosa é o escritor mais conhecido do Peru e uns dos maiores da América Latina. A maioria de seus livros são relacionados a sua vivência no Peru e tem uma narrativa única.

Outros livros: A cidade e os Cachorros (1963), Conversa no Catedral (1969), Pantaleão e as Visitadoras (1973), Tia Júlia e o Escrevinhador (1977), A guerra do Fim do mundo (1981), A festa do Bode (2000).